Kinshasa — A condenação do ex-ministro da Justiça, Constant Mutamba, por desvio de fundos públicos reacendeu debates intensos sobre coerência institucional, uso político do sistema judicial e a credibilidade do combate ao crime na República Democrática do Congo (RDC). O caso tem sido amplamente comparado à sua própria atuação no controverso processo de repressão aos Kuluna, grupos de delinquência urbana que dominam bairros de Kinshasa e outras cidades.
Mutamba, que ficou conhecido pela postura rígida e pelas declarações de “tolerância zero” contra os Kuluna, foi sentenciado a três anos de trabalhos forçados por ter desviado aproximadamente 19 a 20 milhões de dólares destinados à construção de uma prisão em Kisangani. O mesmo sistema judicial que ele defendeu com firmeza agora o responsabiliza por um dos maiores escândalos de corrupção do país em 2025.
Um ministro linha-dura, agora do outro lado do tribunal
Durante o final de 2024 e início de 2025, Constant Mutamba tornou-se uma das figuras mais influentes — e polémicas — do governo ao anunciar que membros dos Kuluna, acusados de crimes violentos, poderiam ser condenados à pena de morte.
O ministro chegou a instaurar uma “comissão especial” composta por magistrados civis e militares para acelerar julgamentos e impor penas severas.
A determinação do governo foi criticada por organizações de direitos humanos, que alertaram para riscos de:
julgamentos sumários,violações de garantias legais,e execuções arbitrárias.
Ainda assim, Mutamba resistiu às críticas e reforçou que os Kuluna condenados “não regressariam às ruas”.
A reviravolta: do acusador ao acusado
Meses depois, o cenário mudou drasticamente. O mesmo nome que simbolizava rigor e punição passou a ser associado a um esquema de corrupção estatal, envolvendo um projecto que deveria reforçar o sistema penal do país.
A Assembleia Nacional retirou a sua imunidade para permitir o avanço das investigações, e Mutamba acabou por renunciar ao cargo. O tribunal, após semanas de audiências e análises de contratos suspeitos, concluiu que os fundos destinados à nova prisão foram desviados de forma “sistemática e injustificada”.
A condenação determinou ainda a devolução integral do dinheiro, enfraquecendo politicamente o ex-ministro e expondo contradições profundas no discurso oficial de combate ao crime.
Contradições expostas e impacto na percepção pública
Especialistas apontam que a ligação entre o julgamento de Mutamba e o caso Kuluna produz um contraste simbólico poderoso:
O ministro que defendia pena capital para jovens violentos é condenado por um crime que envolve milhões de dólares do Estado.
A estrutura judicial que ele pretendia tornar mais severa voltou-se contra ele em poucas semanas.
A sua atuação rígida frente aos Kuluna é agora vista à luz das acusações que pesam sobre a sua própria conduta ética.
Para muitos analistas, o caso representa um teste à coerência das instituições congolesas: se a justiça é capaz de punir tanto jovens envolvidos em criminalidade urbana quanto altos responsáveis políticos, sem seletividade.
Um momento decisivo para a RDC
A conjugação dos casos Mutamba e Kuluna fortalece o debate sobre: transparência no uso de fundos públicos, limites da rigidez penal, e necessidade de reformas profundas no sistema judicial.
A condenação do ex-ministro deixa uma mensagem clara: a justiça congolesa está sob escrutínio, e as escolhas feitas nos próximos meses definirão a confiança da população no Estado.
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