Por Rádio Zango 8000 — Entrevista Especial
Numa conversa profunda e reveladora, falámos com Nikotina KF, rapper, activista social e uma das principais vozes da juventude moçambicana. Direto de Maputo, o artista abordou música, política, desigualdade, censura e esperança — temas que moldam o seu percurso no hip hop.
Bom dia, Nikotina. Como está Moçambique neste momento?
Nikotina KF: Pelo menos aqui na cidade de Maputo o clima está ameno. As pessoas seguem as suas rotinas, trabalho, escola, vida normal. A movimentação é intensa. Mas, como sempre, há um contraste entre o movimento da cidade e a realidade social.
A tua presença ganhou força especialmente durante as eleições. O que te levou a assumir um papel tão ativo?
Nikotina KF: Senti que o meu povo estava desamparado e precisava de alguém com voz e alcance. Não podia assistir em silêncio à brutalidade que o sistema impunha às pessoas. Além de músico, assumi a missão de activista social e defensor dos direitos humanos. Sofri represálias, mas sinto que cumpri o meu dever.
Como surgiu o nome “Nikotina”?
Nikotina KF: Surgiu nas rodas de freestyle. Os mais velhos diziam que “esse puto vicia”. Cheguei a casa e pensei numa substância que vicia as pessoas: nicotina. Quando tentei mudar já era tarde, o nome já estava espalhado.
Quando começaste a rimar? E porquê o rap?
Nikotina KF: Comecei por volta de 2002, inspirado por freestyles de rua. No início tentava cantar músicas românticas, mas percebi que não era para mim. A rima saía naturalmente. O rap permitiu-me falar muita coisa de forma criativa, poética e crítica.
Viveste parte da juventude em Pemba. Que impacto isso teve na tua trajetória?
Nikotina KF: Enorme. Pemba, hoje devastada pelo terrorismo, era uma zona de paz quando lá vivi. Conheci pessoas que hoje são deslocadas. Isso deu-me sensibilidade para entender a dor deles e compreender melhor o país. Fez-me um artista mais consciente da antropologia moçambicana.
Quais artistas influenciaram o teu percurso?
Nikotina KF: O maior de todos é Duas Caras. Segui os passos dele e anos depois tive a honra de participar no álbum Dejibro. Foi uma marca enorme na minha carreira.
O teu rap sempre foi consciente?
Nikotina KF: Não. No início era, mas depois passámos pela fase do rap comercial, “eu tenho, eu posso”. Ganhei popularidade, mas era vazia. Com o tempo percebi que precisava de profundidade. A mudança veio com a maturidade e com momentos marcantes do país.
A música “Pré Famoso” tornou-se um hino. O que estavas a transmitir?
Nikotina KF: Era um pedido de socorro a Deus. Depois da brutalidade policial pós-eleições percebemos que nem ONU, nem embaixadas, ninguém iria ajudar. Estávamos sozinhos. A música é esse grito do povo. E fico feliz por ter sido nomeada pela AFRIMA — talvez a primeira música rap em português a alcançar isso.
Há uma lei que pretende controlar a internet em Moçambique. Como vês essa proposta?
Nikotina KF: Vejo como opressão. O governo quer controlar o espaço digital como controla imprensa tradicional. Mas a internet tornou-se o maior inimigo dos governos africanos — não conseguem dominá-la. Isso assusta o sistema.
O caso de Elvino Dias ainda dói ao povo. Como vês essa ausência de respostas?
Nikotina KF: Infelizmente é mais um caso colocado debaixo do tapete, como tantos outros. Quando os mandantes fazem parte do sistema, o silêncio torna-se conveniente. É a máfia da corrupção a funcionar.
Muitos jovens te veem como porta-voz deles. Como lidas com isso?
Nikotina KF: Não me considero porta-voz, ainda sou um “feto” no activismo. Mas fico grato por saberem que podem contar comigo. Eu escrevo o que vivo e o que o povo sente.
As tuas músicas são muitas vezes associadas a contestação política. Concordas?
Nikotina KF: O rap é isso: metáfora, ironia, figura de estilo. Se alguém interpretar como contestação, tudo bem — também tem esse lado. Mas também pode ser apenas arte. Tenho dois sentidos nas minhas letras; digo uma coisa enquanto posso estar a falar de outra.
O que te inspira a continuar, mesmo com pressão e censura?
Nikotina KF: A dor do povo. A frustração diária, a fome, falta de transporte, falta de emprego, saúde precária. E a desvirtuação social: jovens do tráfico viram exemplo, meninas na prostituição viram inspiração. Isso dói profundamente. Escrevo para equilibrar o caos.
Fala-nos dos teus trabalhos mais recentes.
Nikotina KF: A EP O Meme Volume 1 e 2, e agora o single Dumas. O Meme parece engraçado, mas é profundamente triste. Fala das dores do jovem moçambicano. Um fã disse-me que uma das músicas salvou a vida dele. Isso marcou-me.
O que procuras numa colaboração musical?
Nikotina KF: O que não posso fazer sozinho. Procuro artistas fortes na melodia. E procuro também abrir portas para novos públicos — networking artístico.
Como descreverias a tua fase atual?
Nikotina KF: Poética, madura, sensível. Olho para a natureza com gratidão. Deixei o egocentrismo. Agora é sobre sentimentos coletivos e equilíbrio espiritual.
Como é a tua relação com os fãs nas redes sociais?
Nikotina KF: Muito boa. Respondo comentários, interajo. Há quem vá pelas piadas e freestyles, mas há jovens académicos que me veem como referência. Valorizo todos.
Final
Nikotina KF mostra-se, nesta entrevista, não apenas como rapper, mas como voz activa, crítica e consciente de um país que vive momentos difíceis. A música, para ele, é arma, escudo e esperança.
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