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quinta-feira, 16 de outubro de 2025

O Estado da Nação: Progresso para Quem?



Por Carlos Alberto Jornalista e Director do Portal “A Denúncia”

 15 de Outubro de 2025


O Presidente João Lourenço apresentou, esta quarta-feira, no Parlamento, o seu discurso sobre o Estado da Nação. Gráficos, percentagens e comparações históricas marcaram a intervenção, mas ficou a dúvida essencial: progresso para quem?


Apesar dos números optimistas sobre crescimento económico e investimentos públicos, o discurso revelou-se mais comemorativo do que analítico. Ao recuar até 1975 para provar que “Angola melhorou”, o Chefe de Estado misturou planos temporais e confundiu objectivos. Comparar o país actual com o da guerra e do êxodo é um erro de método — e de ética. O dever constitucional de prestar contas exige contexto e coragem para admitir as falhas, não apenas entusiasmo e nostalgia.


O discurso sobre o Estado da Nação é, por natureza, um acto de responsabilidade política, não um tributo aos 50 anos da Independência. Ao misturar as duas dimensões, o Presidente correu o risco de transformar uma obrigação constitucional num exercício simbólico. A Constituição, no artigo 118.º, impõe um balanço factual e a apresentação de soluções para o futuro. Em vez disso, João Lourenço alternou métricas e períodos históricos, o que fragilizou a coerência do seu discurso.


A juventude e a distância do poder


Segundo dados apresentados, Angola conta com cerca de 12,5 milhões de jovens entre os 15 e os 35 anos — dois terços da população. Esta geração nasceu depois da guerra e não se identifica com o passado colonial nem com o discurso nostálgico dos anos 1970. Para ela, falar de progresso significa falar de emprego, esperança e dignidade. A juventude quer projectos concretos, não comparações com uma Angola que só conhece dos livros.


Apesar de alguns momentos de lucidez — como quando o Presidente destacou o Corredor do Lobito como eixo estratégico de integração económica — o discurso perdeu força por falta de foco e método. A confusão entre balanço histórico e prestação de contas diluiu as boas ideias e comprometeu a clareza da mensagem presidencial.


Obras públicas e acesso desigual


Entre as promessas e inaugurações, permanece o dilema: o povo tem realmente acesso às infra-estruturas construídas? Hospitais que não funcionam em pleno e escolas sem professores efectivos não representam progresso real. Enquanto os números das inaugurações não se traduzirem em acesso efectivo e serviços de qualidade, o discurso do progresso continuará a ser uma contabilidade sem humanidade.


Imprensa e pluralismo


João Lourenço também falou sobre a modernização da TPA e da RNA, reconhecendo o papel dos jornalistas. É um gesto positivo, mas limitado. A Lei de Imprensa (Lei n.º 1/17) exige que o Estado garanta pluralismo e igualdade de tratamento entre meios públicos e privados. Apoiar apenas a comunicação estatal é perpetuar um sistema de informação desigual e dependente do poder político.


O silêncio que doeu


2025 foi um ano marcado por tumultos, saques e execuções sumárias. No entanto, o Presidente não abordou o tema nem apresentou medidas concretas. O silêncio sobre as causas sociais desses episódios — fome, desemprego, pobreza extrema — foi uma omissão grave. A Nação esperava empatia e liderança. O povo não quer ser repreendido; quer ser compreendido.


Partidarização das instituições


Outro ponto sensível continua intocado: a partidarização do Estado. Enquanto a administração pública, as forças de defesa e o sistema judicial permanecerem subordinados à lógica partidária, o progresso será sempre aparente. O Estado deve servir todos, e não apenas os fiéis do poder.


Conclusão


João Lourenço falou ao país a partir do passado, mas a Nação ouviu a partir do presente. E o presente é jovem, lúcido e cansado de discursos sem consequência. O progresso que o Presidente anunciou existe — mas não chega à mesa do cidadão comum.


Entre o número que cresce e o estômago que se esvazia, o povo já não se deixa iludir. Angola não precisa de mais fitas douradas a serem cortadas — precisa de mesas cheias. Porque, no fim, o verdadeiro progresso não se mede em edifícios, mas em vidas dignas.

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