Por Luís Caetano, jornalista
Hoje, ao celebrar-se meio século da TPA, decidi partilhar uma história que nunca contei na televisão, nem em conferências, nem em homenagens. Uma história guardada entre fitas magnéticas e silêncios — a minha memória de um país em guerra e de um jornalismo feito com coragem, instinto e pouca informação.
Em 1988, eu era apenas um jovem operador de câmara, quase a chegar aos vinte anos. Filmava o que me mandavam, sem perguntar muito. A guerra civil rugia no centro do país e, no Huambo, o cacimbo cortava o rosto como lâmina. Foi ali que recebi uma ordem súbita: acompanhar uma missão militar com oficiais cubanos. Sozinho, sem repórter, sem guião. Apenas a câmara e a instrução de filmar tudo, em silêncio.
Durante o percurso, percebi que aquilo não era uma reportagem comum. O ambiente era tenso, os soldados evitavam falar, e um dos militares cubanos — um homem enorme, de olhar pesado — parecia carregar o peso do mundo. Só mais tarde percebi: tratava-se de um piloto de MiG-21, raptado pela UNITA no ano anterior, agora de regresso ao local do seu cativeiro, numa operação discreta de reconstituição e troca de prisioneiros.
Sem saber, eu registava um episódio sensível da história recente de Angola — uma peça do xadrez geopolítico entre Angola, Cuba, a UNITA e o regime do apartheid sul-africano. Um momento onde a diplomacia e a guerra se confundiam, e onde vidas humanas eram moeda de troca.
Nunca mais vi aquela cassete. Entreguei-a, como me mandaram, e nada mais me foi dito. Mas o que vivi naquele dia ficou gravado não só na lente, mas na consciência. Aprendi, talvez cedo demais, que o jornalismo nem sempre tem o privilégio de compreender o que regista. E que há imagens que, mesmo nunca sendo exibidas, marcam para sempre quem as captou.
Cinquenta anos depois, ao pensar na TPA e na nossa história colectiva, percebo que muito do que fomos está guardado em memórias como esta — nas histórias que nunca foram ao ar, nas reportagens censuradas, nas fitas esquecidas em arquivos, e nas dúvidas que o tempo não apaga.
A guerra ensinou-me que há verdades que se calam, e silêncios que falam por si. O papel do jornalista, mesmo em tempos difíceis, é resistir a esse silêncio — registrar, lembrar, e dar voz ao que não pode ser esquecido.
A TPA fez parte dessa luta, entre o dever de informar e o peso da censura, entre a propaganda e a verdade possível. E é isso que hoje, aos 50 anos, merece ser celebrado: não apenas o canal, mas os homens e mulheres que, com câmaras, microfones e coragem, contaram o país — mesmo quando o país parecia não querer ser contado.
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